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Insensibilidade de empresas barra avanços do Pronatec para população de rua

Programa inova em dar formação profissional e encaminhar para seleções de emprego, mas precisa ser complementado, diz ativista



São Paulo – Com uma mochila de 16 quilos, Heliano Ferreira, 27 anos, sobe a rua Bela Cintra, próximo a avenida Paulista, centro da capital paulista. Com as contas de energia da AES Eletropaulo ordenadas pelo número das casas – trabalho ao qual ele dedicou quase duas horas, no início do dia – ele vai trocando sinais de amizade com porteiros e jornaleiros, onde deixa a maior parte das entregas. Nas mãos, somente com as contas do trecho imediatamente à frente.

Ele caminha cerca de cinco quilômetros até concluir aproximadamente três mil entregas. “Minha sorte é que aqui são muitos prédios, então vão várias contas de uma vez”, diz sorridente. Aliás, alegria é o que não falta a Heliano.

Vindo de Guiné Bissau há um ano e cinco meses, vivia no albergue Arsenal Esperança, na Móoca, zona leste da cidade, quando funcionários da prefeitura de São Paulo apresentaram o programa de qualificação profissional para a população em situação de rua. Simultaneamente, Heliano corresponde ao perfil de duas das frentes de trabalho da Secretaria Municipal de Direitos Humanos: vivia em abrigo e é imigrante.

Ele é um dos 388 participantes (até janeiro deste ano) do programa de qualificação profissional, lançado em março de 2013 e desenvolvido em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional do Comércio (Senac) e que ensina profissões como almoxarife, auxiliar administrativo, eletricista, manipulador de alimentos, mecânico de motor a diesel, padeiro, pedreiro e outras.

O rapaz é também um dos poucos que conseguiu uma vaga no mercado de trabalho – apenas 40, pouco mais de 10% dos assistidos. O programa foi lançado em março do ano passado e pretende capacitar duas mil pessoas em situação de rua até 2016.

Antes do curso, Heliano fazia bicos como ajudante de pedreiro. “Muitas pessoas se preocupam por ficar quatro horas por dia sem trabalhar para fazer o curso. Mas isso não é nada perto do benefício que vem depois”, avaliou. Ele escolheu aprender o ofício de eletricista instalador.

A AES Eletropaulo, que o contratou como leiturista, também empregou sete de 28 participantes do Pronatec Pop Rua, que já estão executando suas funções. Em fevereiro, outros nove foram admitidos e devem começar a trabalhar em breve.

Com salário, vale refeição, vale alimentação e convênio médico, Heliano conseguiu se estruturar e alugou uma casa em Francisco Morato, na região metropolitana de São Paulo.

Obstáculos
O programa da prefeitura paulistana, porém, ainda esbarra na dificuldade em encaminhar os formados para o mercado de trabalho. Até janeiro, somente sete empresas tinham contratado jovens egressos do Pronatec Pop Rua.

Para a secretária adjunta de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo, Larissa Beltramin, o processo é longo e demanda uma mudança cultural. “Não é comum, por exemplo, receber pessoas em situação de rua para uma entrevista de emprego. É preciso adequar algumas rotinas para inserir uma pessoa que está em uma condição social diferente e inferior. Tem também a necessidade de integrar esse trabalhador na equipe. Não se pode empregar e largar em um canto. Ele tem de fazer parte da equipe”, afirmou.

A prefeitura não estabelece nenhum vínculo formal com as empresas para adesão ao programa. “O prefeito tem feito o diálogo com os empresários buscando sensibilizá-los para a importância do programa”, explicou Larissa. Em julho do ano passado Haddad se reuniu com representantes de 16 empresas, para conversar sobre a inclusão, em seus processos seletivos, dos formados pelo programa.

Anderson Lopes Miranda, coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, avalia como boa a iniciativa do programa, mas chama atenção para alguns gargalos. “O curso não resolve se não houver empregabilidade. É preciso insistir no diálogo com o setor empresarial. Ainda há muito preconceito com a população em situação de rua”, avalia.

Para ele, a prefeitura precisa investir firmemente em moradia, reduzindo a população de cidadãos que hoje vivem a vulnerabilidade de viver nas ruas. Miranda cita a operação De Braços Abertos, efetivado na Cracolândia, na região da Luz, centro da capital. “A oferta de moradia seria muito importante para complementar o processo. Esse é um dos principais impedimentos para efetivação das ações com a população em situação de rua”, pondera.

Outra questão para Miranda se relaciona com a vivência na rua. “As exigências do mercado formal não faziam parte do cotidiano da rua. Pontualidade, hierarquia, sociabilidade, horário de trabalho. Isso precisa ser reconstruído, não é da noite para o dia”, afirmou.

A secretária Beltramin concorda e destaca que o projeto não busca ser uma empreitada meramente assistencialista. “O Pronatec Pop Rua foi lançado a partir de uma demanda de que não se observasse a demanda da população em situação de rua somente pelo viés assistencialista. Tem de garantir oportunidades e alternativas para a população. Nesse aspecto a demanda por profissionalização e trabalho é muito forte”, afirmou. E complementou: “Tem projeto de 4 mil moradias pelo Minha Casa Minha Vida, consultórios na rua, ampliação da rede de acolhimento da assistência social”.

Porém, os planos para o Minha Casa Minha Vida ainda não têm perspectiva de conclusão. Por outro lado, já foram implementados 16 consultórios médicos na rua e a ampliação da rede de acolhimento já está em andamento. Dois novos serviços, com capacidade para 700 atendimentos de adultos na Vila Maria e na Moóca, já estão funcionando.


por Rodrigo Gomes, da RBA 

02/03/2014